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Quem tem medo de bruxa?

  • Manuela Menezes e Tainá Junqueira
  • 1 de nov. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 1 de nov. de 2024

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A construção da imagem da bruxa que vive no imaginário está presente desde os desenhos infantis até discursos políticos ao longo da história / Imagem: reprodução internet


Antes de se transformar no famigerado Halloween com doces e travessuras, o Dia das Bruxas em 31 de outubro teve diversos significados. A própria ideia de bruxa, que hoje se relaciona a meras figuras míticas relacionadas ao terror e mistério, se transformou ao longo do tempo. Uma mulher velha, corcunda, com feições marcadas, nariz grande, verrugas, uma risada maléfica, caldeirão e um gato. É mais ou menos essa imagem que nos vem à cabeça quando pensamos em uma bruxa. E mais: no geral, são maldosas, invejosas, egoístas; verdadeiras antagonistas das histórias e da História. 


Não à toa. Crescemos ouvindo contos de fadas, com princesas preenchendo os nossos sonhos de menina e as bruxas, nossos pesadelos. Úrsula de a Pequena Sereia, Malévola de Bela Adormecida, Rainha Má de Branca de Neve, a madrasta da Cinderela e Bruxa Má do Oeste em Mágico de Oz são só alguns exemplos das vilãs das nossas histórias preferidas. Enquanto, de um lado, os desenhos colocavam as princesas como perfeitas e indefesas, à espera do príncipe encantado, do outro havia uma mulher horrorosa e malvada. Maçãs envenenadas, agulha da roca amaldiçoada e feitiços: tudo isso movido pela inveja e pela maldade. 


Mas essas não são as primeiras bruxas que aparecem nos registros da história humana. Muito antes do estereótipo das vassouras voadoras, as bruxas eram mulheres que dialogavam e interpretavam a natureza, as plantas e constelações, a lua e o próprio corpo. Mais do que isso, observavam, estudavam e somavam conhecimentos ancestrais sobre os Homens. Muito antes do discurso dos poderes sobrenaturais para causar o mal, as ditas bruxas eram, na verdade, quem conheciam a cura. O caldeirão até poderia existir, mas para fazer chá e não poções de amor misteriosas. As feiticeiras eram na verdade curandeiras, enfermeiras, médicas e conselheiras. Ou seja, eram mulheres que tinham um saber ancestral e muito, muito conhecimento. Esse era o problema. 


Na série de livros de Diana Gabaldon, Outlander, a personagem Claire Randall é uma enfermeira do século XX que é transportada para o longínquo ano de 1743. Com sua experiência tratando feridos na Segunda Guerra Mundial, ela ajuda a curar doentes, seja com unguentos de ervas, seja recolocando um ombro deslocado no lugar. Ora, uma mulher que a) sabe tratar enfermidades incuráveis (para aquela época); b) foge do senso comum de como uma dama deveria se comportar e c) ainda ousa responder a um homem, só pode ser uma bruxa. Quando a heroína vai contra um padre que exorciza um menino doente, dizendo que ele só precisaria de cuidados médicos, tudo sai dos trilhos. Não demora muito para que a mandem para julgamento, rumo à fogueira. É claro que a mocinha se salva no final, mas e todas as outras Claires que eram curandeiras no século XV? Quantas daquelas bruxas não seriam as cientistas do nosso tempo?


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Diana Randall é viajante do tempo em Outlander e acaba condenada por bruxaria no passado devido seus conhecimentos de medicina. / Imagem: reprodução internet


Na Idade Média, a Igreja Católica passou a perseguir, torturar e matar mulheres acusadas de bruxaria. O documentário dos anos 1920 Haxan procura entender a origem da caça às bruxas. A figura da mulher sábia foi transformada discursivamente pela Igreja. Ela se torna um agente do caos que pactuou com o diabo, devendo, assim, ser perseguida. Resquícios da criminalização institucionalizada do corpo da mulher perduram até os dias de hoje. 


Enquanto na Inquisição a Igreja queimava mulheres vivas em fogueiras públicas, a psiquiatria internava mulheres ditas histéricas em manicômios no século XX. Em vez da fogueira, o tratamento para a loucura era banho com água pelando. A palavra histérica, além de substantivo feminino, só existe para o feminino: histeria vem da palavra grega hystéra que significa útero. Hysterikós seria, portanto, aquele que se mostra irritado, nervoso e ansioso por um descontrole que nasce do útero. Ou, melhor, aquela que se descontrola. 


A figura da bruxa é um estereótipo que se mantém vivo há séculos. Em oposição a ele, a princesa. Enquanto a jovem pura de sangue azul veste cor-de-rosa e desmaia ao sinal de perigo, a bruxa usa um manto preto e só age em vingança, motivada pelo desgosto. Uma passiva, esperando para ser salva. A outra, ativa, é a causadora dos males. Será que só existem esses dois papéis para uma mulher? Depender de um homem para ser salva ou agir por si mesma, mesmo sabendo que nunca vai ganhar no final? 



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A diferença da imagem construída entre princesa e vilã é nítida desde as cores e traços das personagens como em A Bela Adormecida. / Imagem: reprodução internet


E pense em uma coisa. Por acaso alguma das bruxas era casada? É interessante pensar que a princesa era feliz para sempre com seu par, enquanto a vilã era uma grande amargurada que não merecia o amor. Crescemos ouvindo que existem duas opções: ou somos felizes com alguém, sem independência, ou temos independência, mas não somos bem-quistas. Na verdade, essa nunca foi uma escolha real. A bruxa representava tudo o que não deveríamos ser e a princesa, a grande utopia de nossas vidas. Ou por acaso você já ouviu uma criança dizer que queria ser uma bruxa quando crescesse? 


Hoje, a imagem de mulheres autônomas, independentes e livres, ou que fujam à norma de alguma maneira, ainda geram incômodo. A lógica permanece a mesma: manter a estrutura de poder dos homens sobre mulheres. Classificar mulheres incompreendidas como bruxas e, com isso, ter amparo para condená-las. Essa sempre foi a maneira mais fácil de lidar com quem colocasse em xeque o sistema. 


E para quem acha que papo de bruxa é coisa do passado ou restrito só ao Halloween, não vai acreditar que até hoje mulheres morrem acusadas de bruxaria. Em 2022, um relatório da ONU estimou 22 mil feminicídios sob alegação de feitiçaria em um período de 10 anos. Pela dificuldade de monitorar esses casos - já que muitos acontecem em territórios de difícil acesso - é estimado que esse número esteja subnotificado. Na Tanzânia, cerca de mil pessoas morrem anualmente acusadas de bruxaria. Na Índia, entre 2000 e 2016, foram registrados 2.500 assassinatos de mulheres suspeitas de serem bruxas. Em países como República Democrática do Congo, Angola, Nigéria, Zimbábue, Gana, entre outros, há indicações de que esses episódios sejam frequentes, mas faltam dados precisos. 


Por isso, se algum dia você pensar em chamar uma mulher de bruxa como forma de xingamento, pense duas vezes.


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