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Beatriz Linhales nasceu da música e vive pelo teatro

  • Foto do escritor: Manuela Menezes
    Manuela Menezes
  • 19 de set. de 2024
  • 7 min de leitura

A jovem de 20 anos que é Pluft, Pâmela, Belinha e muito mais


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Beatriz é estudante de Artes Cênicas e já se destaca em produções nacionais. Foto: Ruy Duarte


Qualquer um que entrasse na sala perceberia sua presença. Enquanto estão todos no chão, Beatriz Linhales se senta em uma banqueta. Com os pés descalços, estudantes de Artes Cênicas apresentam palavras de escritores vivos e mortos. Eles interpretam Clarice, Pessoa e Conceição Evaristo sentados em roda na Sala Esther Leão, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Mas não Beatriz. Em vez de literatura, a aluna mostra a sonoridade que percebeu em um texto acadêmico. Faz o eco da sala funcionar e prova que um ator não grita, mas projeta a voz. Sua risada se sobrepõe às dos outros alunos; parece mais cheia, mais redonda. Ou talvez seja porque se percebe melhor aquilo em que se presta atenção. E ela chama atenção. Por mais que a jovem atriz de 20 anos não consiga se enxergar como uma em um milhão, ela contrasta com a cena. Entre aplausos e estalos, Bia se sente em casa no teatro, mas não por isso deixa a música de lado. Não à toa, a banqueta em que ela se senta é a de um piano de parede. 


Não escreva seu sobrenome com “R”. Chamá-la de Linhares talvez seja um insulto maior do que dizer que ela atua mal. Be(atriz) LinhaLes é filha de dois professores: o pai, de teatro; a mãe, de música. Sua veia artística é, na verdade, biológica. A carioca que fala com o “X” super xiado não considera um exagero dizer que seu amor pelas artes vem do útero. Quando nasceu, seu primeiro choro talvez nem um grito tenha sido. Apenas um “Ré” que ela ainda não tinha aprendido a sustentar. Duas décadas depois, o fascínio pela arte continua. Agora, afinada e disciplinada, Beatriz começa a conquistar seu espaço em três frentes: no teatro, nos streamings e no cinema. 


No teatro “O Tablado”, Beatriz vive o fantasminha Pluft, da clássica peça de Maria Clara Machado. Tendo já trabalhado em outras montagens nessa escola, que hoje é Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado do Rio, ela conhece bem as tábuas desse palco. Foi nele que Bia Linhales despertou o interesse de Ciça Castello, uma das maiores diretoras de elenco do audiovisual brasileiro. Depois de numerosos testes para a televisão sem nenhum “sim”, ela foi notada justamente em seu habitat natural. Assim, conseguiu seu papel na série de língua não inglesa mais assistida do mundo. Em “Pedaço de Mim”, Bia vive Pâmela, atuando com Juliana Paes e Vladimir Brichta. A jovem atriz também poderá ser encontrada nas telas de cinema: ela é protagonista em uma das quatro histórias de “Todo Mundo Ainda Tem Problemas Sexuais”, com lançamento programado para novembro deste ano. Os interessados em assisti-la em “A Miss” terão que lidar com a frustração do filme ainda não ter previsão de estreia. 


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Bia como Pâmela em "Pedaço de Mim" Bia como Pluft no teatro "O Tablado"


Para Bia, o que explica sua conexão com a arte não é o DNA. Esse amor estaria mais ligado ao fato dos pais serem professores, do que com um dom hereditário: “A forma como eles me criaram enquanto professores de arte me fez ter muita disciplina na minha profissão”. Além do apoio da família, Bia também foi incentivada por outros mestres que passaram por sua vida. “Eu tive muita sorte no CAp-UERJ, é um colégio que tem muita arte. Eu tinha espaço para me expressar e era uma preocupação dos professores tirar o melhor de cada aluno.” Na sala de aula, Beatriz era inquieta: “Eu era a primeira a querer ler algum texto, sempre ensaiava cenas no recreio com os meus amigos”. Ela relembra com um sorriso nostálgico suas aulas de teatro na escola, dizendo que “evidentemente, era um ápice, uma loucura”. 


Em pouco tempo, sua paixão pela arte se tornou inegável. Uma jovem que canta “Podres Poderes” com “Como Nossos Pais” em uma simples apresentação de música não pode se tornar mais uma administradora. Sua voz também a levou à Europa. Com o coral à cappella que participou no Ensino Médio ganhou um prêmio internacional, deixando os gringos no chinelo. Mas a praia dela é o teatro… por mais que a mãe quisesse que ela seguisse a música e a atuação, Bia já tinha feito sua escolha. A reverência aos mestres é sempre expressada pela  atriz que não desassocia a educação da arte e da política.


“A minha forma de enxergar o mundo é através da arte, e a política estava em todos os lugares da minha vida, desde que eu me entendo por gente.” Não à toa, seu primeiro contato com o teatro foi no Colégio de Aplicação da UERJ (CAp-UERJ), instituição onde estudou até o Ensino Fundamental II. Apesar de ter vivido um hiato em uma escola particular, Bia foi (e ainda é) formada por instituições públicas de ensino. Ela inclusive rejeita veementemente quando alguém a chama de Vicentina, já que se formou em um colégio dessa congregação. Na hora, ela se reafirma como Capiana; e com muito orgulho. “O meu primeiro ato político foi quando eu passei pela primeira greve da minha vida”, conta Beatriz. “Eu tinha oito anos e já estava dentro de um movimento lutando pelos direitos do estudante.”


Além das pautas estudantis, Bia luta por outros direitos também: “Eu não acordei um dia e falei ‘Eu defendo a igualdade entre gêneros', eu só descobri que tinha nome para essas coisas que eu acreditava”. Apesar de compor a luta feminista, ela não economiza nas críticas. “Tenho muita dificuldade com algumas vertentes que têm lógicas que discordo completamente. O feminismo radical, o feminismo branco. E não existe esse nome, né? Mas quando você vê uma feminista branca, você sabe que ela é uma feminista branca”, ironiza. Para Beatriz, não há como discutir relações de gênero sem os recortes de raça e de classe. “Mulheres de teatro me dão um vigor muito grande.” Junto com a mãe e a avó, as dramaturgas Grace Passô e Leila Assumpção aparecem em sua lista de inspirações femininas. “Leila escreveu no meio da ditadura militar e ninguém conhece os textos maravilhosos dela. As duas foram mulheres que resistiram dentro da profissão”, compartilha. 


Beatriz também comenta sobre a sua experiência nas filmagens de “Todo Mundo Ainda Tem Problemas Sexuais”. “Eu achei que seria o tipo de pessoa que conseguiria filmar pelada, só que não é assim que a parada funciona. É muito louco, como você vai descobrindo mais sobre você.” A atriz ainda reflete sobre como “o filme é justamente sobre isso, sobre as nossas questões humanas”. Ela adiciona, dizendo ser uma “grande galhofa” quem diz não ter dificuldades nessa área da vida: “Todo mundo tem e sabe que o outro também tem”. Longe de ser tabu, Beatriz adora debater sobre o assunto e diz que ter problemas sexuais é algo previsível, quase que óbvio. Para a atriz que interpreta Belinha no longa-metragem, a relação dos indivíduos com sua sexualidade diz muito sobre a forma como se relacionam no mundo: “Desconstruir as suas dificuldades sexuais tem a ver com como você enxerga a si mesmo e como você enxerga a troca com as pessoas”. O filme baseado na obra de Domingos Oliveira promete trazer histórias que retratam as delícias e estranhezas dos relacionamentos amorosos contemporâneos.


Com mais de uma produção em andamento, seria a sorte ou o talento que estaria do lado de Beatriz? “Eu já tinha gravado ‘Pedaço de Mim’ há um ano, só que nasceu ao mesmo tempo do Pluft.” É como se Beatriz tivesse parido gêmeos de pais diferentes (um do teatro, outro do audiovisual) à la Juliana Paes. “Foi muito louco sentir isso no corpo. Deu um frio na barriga, mas ao mesmo tempo foi uma forma gostosa de me apresentar para quem não me conhecia”, compartilha. Ela diz ser sorte ter dois trabalhos juntos, já que “não é uma coisa comum”. Mas pensando bem, talvez a sorte esteja na coincidência das datas: “Eu estou fazendo esse esforço para compreender que a minha dedicação dá frutos, que não necessariamente é só uma grande obra do destino”.


Para Beatriz, não é por conta de uma predileção divina que ela se destacou em tão pouco tempo. “As pessoas que estão em trabalhos legais não necessariamente são as mais talentosas”, cutuca. Ela entende que sua carreira começa a se construir a partir da disciplina. À primeira vista, seria difícil atribuir a característica “certinha” à Beatriz, mas é a palavra que ela usa para demonstrar seu vigor nos estudos. “Eu sou muito empenhada em estudar e ir atrás, faço isso desde os 13 anos.” E é claro, Bia nunca esconde o orgulho de ter sido moldada pelo Tablado, reconhecendo que o teatro também abriu muitas portas. 


Seguindo essa lógica, ela define o estudo como elemento essencial a um ator com letra maiúscula. “Eu acho que um bom ator é aquele sensível, com os olhos abertos e que não para de estudar nunca. Não acho necessário a pessoa nascer com talento. Não!” E ela reitera: não é só o conhecimento formal em academia e cursos profissionalizantes que constroem o artista: “É estudar sobre você, o outro, sobre a sociedade que a gente vive, sobre o país, a política, sobre as relações de classe, raça, gênero e trabalhistas também”. Isso quer dizer então que ela não acredita em talento? “Pior que eu acredito. Bizarro, mas eu acredito”, diz, rindo de sua aparente contradição. 


“É louco de explicar, mas eu consigo ver em crianças ou amadores. Para mim faz muito sentido que uma pessoa tenha mais predisposição social de ser empático, de ser sensível para transformar isso num discurso artístico do que outras.” Mesmo assim, Beatriz coloca o dom como algo “descartável”, e nega radicalmente o discurso de que “se você não tem talento, você não tem nada”. E teria Beatriz talento? Apesar de apostar suas fichas na educação, ela confessa que acha que sim, tem. “Mas deixando bem claro que isso não me dá nenhuma vantagem”, reforça. E esse dom não viria da genética: “Não acho que o DNA seja algo que se passe, acho que é algo que você adquire. E que por estar em uma família que me deu cobertura, eu tenha florescido alguma espécie de talento - se isso existir”.


Atestando a hipótese de que a música e o teatro nunca estão longe de Beatriz, a entrevista inteira foi acompanhada pela trilha sonora de outra aula de teatro que acontecia na sala ao lado. Ao fundo, os alunos cantavam “Bom dia pra quem é de bom dia…” Ao fim da conversa, como uma universitária boêmia que se preze, Bia vai tomar uma gelada com os amigos para matar a sede impressa na pele. Na panturrilha, ela leva tatuado um clássico copo americano, aqueles de bar mesmo, meio cheio (ou meio vazio). Brasilidade que a encharca. Alguns poderiam até dizer que a jovem atriz carrega a profissão no nome. Mas quem conhece Beatriz Linhales sabe que, na verdade, é uma parte de si que ela leva de tão bom grado, que nem se dá conta do peso. 




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