Tainá Junqueira: sem papas na língua
- Manuela Menezes
- 29 de jul. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de ago. de 2024

Tainá Junqueira no dia em que a Extra.ordinárias foi idealizada
A frase que Tainá Junqueira mais fala é, na verdade, uma pergunta. “Será?” Sua marca registrada pode vir embalada em diversos tons: um mais sarcástico, outro irônico, às vezes com esperança, mas na maioria das vezes, com o de interrogação. Como uma boa jornalista em formação, Tainá Junqueira tem seu quê de ceticismo. Ela não acredita em tudo que ouve e não concorda com opiniões alheias só para agradar. Do alto de seus 1,58m de altura, ela talvez se perca em uma multidão, mas jamais em um debate. Quando questionada, sua voz sempre sai assertiva e firme. Ela segue convicta sem hesitar. Com 19 anos, a nascida em Ribeirão Preto se mudou para o Rio de Janeiro em 2023 para concretizar dois sonhos: o de estudar jornalismo e o de experienciar o cotidiano carioca.
Desde a pré-adolescência, ela é a feminista chata da família que ”não deixa escapar uma no jantar de Natal”. Tainá começou a se politizar no mesmo momento em que passou a ser assediada: “Ali com uns 13 anos, quando você começa a perceber que os olhares para você mudam. Começa uma sexualização, uma objetificação de todos à sua volta”. Foi assim que ela teve os olhos abertos para perceber o machismo que permeava sua vida, do ambiente escolar ao familiar. Ela cita uma “revolta” quando percebeu a “estrutura que sempre, nas pequenas coisas do dia a dia, coloca a mulher como inferior”. Essa foi a faísca que iniciou um longo processo de pesquisa de teoria feminista, que ia desde conversas com amigas até livros. “Eu sempre tive uma necessidade de falar, de estar presente nos movimentos. Foi natural entender que o feminismo é essencial e o responsável por todos os avanços que a gente tem até hoje.”
A mesma mulher que enche a boca para falar do movimento feminista, esconde um nó na garganta. “Eu me sinto uma possível vítima a todo momento”, diz com os olhos marejados. “Quando você sai à noite, começa a beber, tem medo, não sabe como você vai voltar.” A voz de Tainá que tem a constância de ser firme e de responder de bate-pronto, dá um tempo ao silêncio. Ela se torna embargada ao falar do temor de ser assediada e estuprada: “É um medo constante de que pode acontecer com você, com a sua amiga, que pode acontecer muito perto”. É nesse momento que o assunto aborto chega à baila. O PL 1904/24 é um ponto inevitável da conversa. O projeto visa criminalizar abortos, inclusive em casos de estupro, depois da 22° semana de gravidez: “Isso chega muito forte na gente mulher”.
Mesmo com dor frente ao movimento reacionário, Tainá reconhece seu privilégio, lembrando que a maior parte das mortes em decorrência de abortos mal sucedidos são de meninas pretas periféricas. “É muita energia que precisa ter para falar o óbvio, defender direitos básicos. A gente queria estar discutindo a legalização de um aborto mais amplo.” Mas Tainá é o tipo de pessoa que transforma essa tal revolta em revolução. Sua voz volta a ganhar força. Ela manda sem papas na língua: “O brasileiro não sabe votar”. Sendo o Brasil um país laico, “uma mistura de religião com política dentro do Congresso não vai dar certo, deveria ser proibido”. Ela fala da moral católica e evangélica que permeia grande parte dos deputados: “São valores que dizem que defendem a vida, mas que acabam sendo prejudiciais. Principalmente para crianças e adolescentes”.
Para Tainá, o Congresso “não têm noção do que é o aborto no Brasil”. A maior parte das mulheres estupradas no país nem mulheres ainda são - 70% das vítimas são crianças de até 14 anos. “Seguem tirando essa mulher do banco de vítima e colocando ela no banco de réu”, se indigna Tainá, falando que essa é “uma violência do Estado”. Ela finaliza a crítica dizendo que “nunca foi pela vida, mas uma tentativa de controle do corpo da mulher”. Sobre o futuro, seguindo sua linha cética, ela não consegue ser otimista até a última consequência: “Eu quero acreditar que melhore, mas aí vem projetos como esse. A gente dá cinco passos para frente e quatro para trás”. Tainá diz que como jornalista, um de seus trabalhos é pautar discussões da sociedade, escolhendo que histórias contar. Ela acredita que pode contribuir para a luta ao dar maior visibilidade para as dores e alegrias das mulheres. “Eu lembro de uma pesquisa que falava que ainda faltam 100 anos para atingir a igualdade de gênero. Eu talvez não venha a conhecer esse mundo, mas espero que a gente caminhe para a frente”... será?
E para contribuir com essa caminhada, vem a Extra.ordinárias. Tainá não chega crua à revista, trazendo a experiência de já ter escrito para o Planeta ELLA, rede afluente da Mídia NINJA sobre o universo feminino. Sua paixão é pela palavra escrita e sonha em trabalhar em uma redação. Ela ama escrever, odeia escrever em grupo. Na sua matemática das letras, duas mãos e um cérebro bastam. Mesmo assim, Tainá reconhece que construir uma revista é um trabalho coletivo: "Ás vezes a gente tem medo de fazer as coisas sozinha, mas com outras pessoas que acreditam nos mesmos ideais fica mais fácil, mais leve". Uma das fundadoras da Extra.ordinárias, ela busca falar de assuntos que a incomodam. "Textos e conteúdos com um recorte de gênero são fundamentais, e eu acredito que não são valorizados como deveriam", compartilha Tainá. Sua marca é buscar pautas com profundidade, podendo mergulhar em assuntos que ficam fora das notícias do dia a dia: "Eu entrei no jornalismo muito por isso também, para falar sobre coisas que não querem que a gente fale". Sua vontade é que as discussões contaminem cada vez mais gente, e ela acredita que a revista seja o lugar certo para isso. "É um ambiente de troca, de dar voz às mulheres, às nossas próprias amigas. Porque o feminismo que a gente defende começa muito com as mulheres da nossa família e nossas colegas. É sobre dar voz a todas."
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